segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O Vampiro ABORRESCENTE, parte II



(anteriormente em... “Quebrando todos os recordes”)

Manhã de sol... Dona Branca abriu as janelas e as cortinas do quarto de seu filho Alvinho, permitindo a entrada da luz em quantidades fartas। Ao lançar os olhos para a cama, encontrou uma camada de cinzas sobre os lençóis. Ajeitou o lenço florido na cabeça e resmungou:

– Que moleque...! Sai de casa sem me avisar e agora deu pra ficar fumando na cama!
Ignorava por completo que sua atitude destruíra involuntariamente o próprio filho, tornado um “neo-vampiro” desde a noite anterior।

Tal desconhecimento não se podia afirmar quanto a Fúlvia, a vampira que transformara o filho de dona Branca em um sorvedor de hemoglobinas। No exato momento em que o sol queimara Alvinho, ela sentira na pele a aniquilação do garoto e despertou de seu sono urrando de dor. Seus globos oculares viraram esferas vermelhas sem pupilas, todos os dentes e unhas tornaram-se pontiagudos, as maçãs do rosto projetaram-se e o cabelo ficou de um jeito que nem chapinha japonesa ia consertar.

– Isso não vai ficar assim! – rosnou – Ninguém faz isso com uma cria minha! Sei onde ele está e vou me vingar!

Abriu a porta de casa, botou o pé esquerdo para fora e o primeiro raio de sol incinerou-lhe a ponta do sapato। Puxou a perna para dentro rapidinho e bateu as costas na porta:

– Pra que a pressa? Por que se precipitar? De noite eu resolvo isso.

Chegou a noite. Um morcego sobrevoava a rua onde morava Alvinho, tendo por únicas testemunhas a vizinha da frente, uma jovem gorducha emo chamada Ema e seu cãozinho pinscher, deitado na cama. Ema seguiu o morcego com um binóculo e acompanhou-o cruzar a janela escancarada do quarto de Alvinho. Notou quando o animal voador da família dos quirópteros pousou na janela. Uma explosão o cercou. A fumaça ainda não se dissipara e o bicho, então, revelou-se, na verdade, a vampira Fúlvia (e você tinha alguma dúvida?).

A gorducha emo adolescente deu um pulo para trás e caiu sentada na cama। O pinscher deu seu último ganido.

Ema, a emo: ô coisinha lindja!


Aquilo não dizia respeito a Fúlvia, preocupada em buscar, no quarto, pistas sobre seu namorado। No andar de baixo, a campainha do telefone tocou e dona Branca, a mãe assassina involuntária, atendeu:

– Não, ele não apareceu ainda। Já liguei prum monte de gente e ninguém sabe de nada. Esses filhos só dão trabalho! Descobri que o Alvinho fuma, pode? Tive de limpar a cama, cheia de cinzas!

A vampira não precisou de muitos neurônios para deduzir que, depois de reduzir o filho a cinzas, Branca passou o aspirador de pó sobre a cama। Logo, ele só poderia estar num lugar.

– Tá... – continuava Branca, ainda ao telefone – Preciso desligar e botar o lixo pra fora antes que cheguem os lixeiros।

Fúlvia cruzou a janela já como morceguinha e voou até os sacos na entrada dos fundos da casa। Apanhou-os com as patinhas e saiu voando.

“Legal!”, pensou। “Se todas as pessoas do mundo fossem como essa mãe tagarela, eu nem precisaria usar meus poderes hipnóticos para descobrir as coisas!”

– Nossa, o caminhão passou mais cedo hoje! – surpreendeu-se a mãe de Alvinho – Eu nem terminei de trazer todos os sacos...

De seu quarto, Ema, toda apavorada, testemunhara o que Fúlvia fizera.

No aconchego de seu lar, a vampira despejara o lixo sobre uma mesa। Na cozinha, jogava no liquidificador um líquido violeta. Logo depois, rasgava o pulso com as unhas, deixando um pouco de sangue escorrer. Bateu os líquidos por instantes e, desligado o aparelho, jogou o preparado sobre o lixo espalhado. Um estalo, fumaças, e Alvinho estava de volta. Sorriu para a namorada, sem perceber a cara de desaprovação dela. Virou a cabeça na direção em que ela olhava e entendeu. Havia sido reconstituído apenas até a cintura.

– FÚLVIA! – bradou, em pânico – ONDE ESTÁ O RESTO DE MIM?

Ela percebeu a citação não-intencional feita pelo namorado a um filme de Ronald Reagan, “Em cada Coração um Pecado” (Kings Row, no original)। Preferiu, porém, não dizer nada. Não estava muito a fim de esbanjar cultura e limitou-se a tranqüilizar Alvinho:

– Hããããã... sei lá! Sua mãe te destruiu sem querer, mas eu estou te recompondo। Para isso, você vai precisar de mais hemoglobinas. Ainda bem que eu achei algumas pessoas que se prontificaram a ajudar, doando o sangue delas por uma boa causa.

Num canto da sala, três marmanjos amarrados e amordaçados choravam de medo.

A vigília de Ema, a emo, gerou recompensas। Às dez da noite, a balofa avistou alguma coisa chegando perto da casa de Alvinho. Olhando pela janela, arreganhou os olhos de pavor.

Dona Clara assistia a novela quando a campainha tocou। Levantou-se do sofá, olhou pela janela da sala e abriu a porta rapidamente, para receber seu filho com um carinhoso puxão de orelhas.


– Onde cê tava, moleque, que me deixou morrendo de preocupação? É assim que eu te criei, sai de casa e não dá satisfação de onde vai?


– Aiai, mãe, aiai!
– Calma, dona Branca, eu posso explicar!


Menos de meia hora mais tarde, Fúlvia e Alvinho achavam-se sentados no sofá, dona Branca numa poltrona e Ema, que correra para tentar escutar a conversa, escondida perto da já mencionada janela da sala।


– Alvinho, meu filho... – principiou a mãe – Desde que você nasceu eu esperava um dia você me dizer que queria ser artista plástico, roqueiro, costureiro, skatista, escolhesse alguma profissão que não desse dinheiro... até mesmo virasse gay... mas... vampiro?


Do lado de fora, Ema sorriu। Em seu cérebro limitado, a idéia de querer ser uma vampira começava a fermentar.


– E...? – perguntou Alvinho.
– Eu acho assim, se é uma coisa que vai te deixar feliz, então, por mim, está ótimo! Agora, vê se pára de fumar, tá? Esse vício é horrível!
– Fumar?
– Depois eu explico – cochichou a vampira।


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