segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Acaso ou Acidente?


Aquele som que chegava da traseira do automóvel assim que ela brecou no sinal vermelho em nada lembrava as trombadas glamurosas a que se acostumara no cinema, em estéreo, som digital altíssimo, quase ensurdecedor. O ruído que escutara mais parecia um bumbo desafinado.
Belo ou decepcionante, o barulho representava uma batida das feias. Pelo retrovisor, ela percebeu a cara de raiva do motorista do carro de trás. Ela sentia a dor atacando-lhe os músculos, retesados com o susto. Soltou o cinto de segurança e desceu.

– Por que você parou tão de repente? – gritou o motorista, gesticulando uma única mão.
– De repente? Você que veio grudado na minha bunda! – retrucou ela, nervosa.
– E eu ia adivinhar que você ia frear tão em cima?
– Olha só o que você fez! – dizia ela, atenta ao amassado do pára-choque e do porta-malas, os cacos do farol colorindo o asfalto de amarelo e vermelho.
– Você tem seguro? – quis saber ele.
– Não.
– Nem eu.
– E agora? – ela perguntou.
– Agora você paga. A culpa é sua!
– Nada disso! Em acidente de trânsito, quem tá atrás é que leva a culpa, não sabia?
– Você é o quê? Advogada, por acaso?
– Não, mas meu marido é!
– Ótimo, então ele deve ter grana pra pagar a merda que você fez. Porque, se a sua capacidade de trabalhar for como a de dirigir, nem dinheiro pra maquiagem você deve ter!
– Mas olha que grosso! – disse ela, indignada, pousando as mãos na cintura – Agora é que eu não pago, mesmo!
– Você vai pagar esta merda e acabou! – disse ele, furioso e perdigotante.
– Você está gritando comigo só porque eu sou mulher!
– Não quero saber se você é mulher ou homem! Quero saber de arrumar meu carro! Eu dependo dele pra trabalhar!
– Pois que dirigisse melhor!
– Ah, agora pensa que tem razão, dona Maria?
– Olha o respeito, seu estúpido! Vai falar assim com a sua esposa!
– Minha esposa sabe dirigir, não é uma anta que nem você!
– Se ela sabe, você devia aprender com ela!
– Vamos acabar com essa coisa! Vou pegar a sua placa e fazer um boletim de ocorrência!
– Ah, é? Pois eu vou ligar agora mesmo para a polícia! – bradou ela, sacando o celular da bolsa e digitando o número.
– Ai que medo! – disse ele com ironia – Aproveita e pega meu RG também! – continuou, furioso, enquanto arrancava a carteira do bolso e estalava com força o documento na capota do carro dela. Em poucos segundos, a mulher avisou sua localização, pediu urgência e desligou, sorrindo triunfante para o homem, este de braços cruzados, contendo-se para não usar a violência.

Sou um cão policial, dããã...
Foi quando ela olhou para o RG sobre seu carro e leu o nome em voz alta.
– Silvestre Ramos de Arruda Campos.

Seus olhos arregalaram.


– Não é possível. Sissi?

Foi a vez do homem ficar espantado.


– Caramba, Sissi! – continuou ela – É você mesmo?
– Como você sabe o meu apelido? – perguntou ele, assustado.
– Você num tá me reconhecendo?

Foi a vez de ela puxar sua identidade e exibi-la. Silvestre também leu em voz alta:

- Agnes Carneiro Cordeiro.


Seu olhar se perdeu num passado distante. O choque da recordação o fez sorrir e emendar com um palavrão. A mulher sorriu e o abraçou.


– Nós dois estudamos no primário! – afirmou o homem.
– Si! Quanto tempo! Que saudades! Mas nunca que eu ia te reconhecer com esse cavanhaque! E você tá mais magro!
– E você, com esse cabelo chanel preto? Na escola você era ruiva e tinha trancinhas!
– Pois é, você vivia puxando as minhas trancinhas ruivas!
– Puxa vida! Olha, Agnes, nem esquenta com essa batida. Eu pago!
– ‘Magina, Si! Meu marido tem dinheiro! Ele paga e depois eu acerto com ele!
– Que é isso! Eu que preciso aprender a ouvir minha esposa! Ela vive dizendo pra eu tomar cuidado no trânsito!
– Não interessa! Eu insisto, Si!
Os dois recordaram muitas passagens da infância, depois trocaram telefones e combinaram de se ver naquele mesmo fim de semana e apresentar as respectivas famílias.


Quem não entendeu nada foram os policiais, chegando ao local da trombada e se deparando com um homem e uma mulher entretidos numa conversa bastante animada, rindo muito, enquanto um congestionamento de alguns quilômetros formava-se logo atrás do acidente.





Algumas cagadas dão certo... Eu disse algumas