Rapaz e moça abraçados de lado. Ela, longos cabelos pretos. Com franjinha. Ele, cabelos castanhos e pixains. Sem franjinha. Uma infinidade de retratos presos a um mural de cortiça. Mudam apenas o figurino, as estações do ano e os cenários, mas o tema permanece: um casal sorrindo, fazendo brincadeiras para a câmera, ela de cavalinho nele, ele abraçado atrás dela. Instantâneos de um casal apaixonado.
Pena que a realidade não espelhe mais a doce alegria perpetuada em papel fotográfico. Sozinha em seu quarto, abraçada ao travesseiro encharcado de lágrimas, a jovem Tânia Saginatta castiga os ouvidos da vizinhança com as músicas de fossa mais bregas do planeta.
Por que ele a abandonara? Por que acaba aquilo que se pensa eterno? Por que uma pessoa deixa de amar outra? Se as horas duram mais do que os minutos, por que o ponteiro das horas é menor do que o dos minutos? Perguntas sem resposta.
- Blém, Blóm. - intromete-se a campainha.
A jovem Tânia enxuga o rosto no lençol, ergue-se da cama e cruza a porta do quarto. Desce as escadas sem perceber o escândalo de seus pés sobre os degraus. No andar de baixo, vira a chave, torce a maçaneta, abre a porta.
Suas pestanas quase entram no globo ocular quando arregala os olhos. É ele. O rapaz que a acompanha em todos os retratos do mural.

Ela quer dizer algo. Qualquer coisa. É ele, porém, quem fala:
- Eu estava passando pela rua e vi sua casa. Aí comecei a lembrar de quando estávamos juntos... das horas maravilhosas que tivemos... Todos aqueles momentos felizes que compartilhamos... E que nunca mais tive ao lado de nenhuma outra mulher! Fui um idiota, demorei para perceber o quanto você é especial. Esses anos que ficamos separados me mostraram que eu jamais devia tê-la deixado!
Segue-se um curtíssimo silêncio, que a ansiedade de Tânia transformava em uma vida.
- Tânia... Eu não sei viver sem você! Eu te amo!
É tudo o que a moça quer ouvir. Uma única palavra sai de sua boca:
- V-verdade?
- Não. PRIMEIRO DE ABRIL! RÁ, RÁ, RÁ, RÁ, RÁ!
E ele, debochado a mais não poder, gargalha e aponta-lhe o indicador, a outra mão batendo na coxa. Ela sente o lábio superior tremer só do lado esquerdo, como sempre lhe acontecia em instantes de tensão extremada. Dá as costas a seu ex, que prossegue a conversa:
- Cê acha? Por acaso passei aqui, lembrei que era Primeiro de abril... Ah, eu não podia perder essa! Nossa, você devia ter visto a sua cara! Inclusive...
- CK-CHACK! - manifesta-se a espingarda italiana Franchi SPAS 12 que Tânia guardava na parede da sala com tanto carinho. E mesmo percebendo o olhar alucinado da ex-namorada, compreendendo-lhe as intenções, o moço se finge de besta:
- Epa! Que qué isso aí? Não! Abaixa essa coisa!
Não houve resposta. O melhor que ele tem a fazer é pôr instantaneamente em prática sua promessa de voltar a praticar corrida. A rua deserta nunca lhe pareceu tão convidativa.
- Calma, Tânia! É brincadeira, pô!
- BOUMM! CK-CHACK! - retruca a calibre doze, disparando e recarregando. O tiro passa de raspão na orelha do rapaz em disparada.
- Tá vendo? - protesta o ex-namorado, promovido a novo-atleta - Por isso que eu te larguei, você num tem humor! Socorro!
Além de não ter humor, Tânia também não tem pontaria. Mas é persistente e trouxe bastante munição. Qualquer hora ela acerta.

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